quarta-feira, 13 de abril de 2011

Redenção- Otacílio de Azevedo

Sob o claro esplendor de amplo céu de cobalto
que arde aos beijos do sol que ilumina a amplidão
dentro do círculo de pedras de um planalto,
fulge alegre e feliz, radiosa, Redenção!

Banha-lhe o corpo glauco a linfa azul que desce
de topázio em topázio, ao seu próvido seio
cuja fonte é Pau-d'Alho, a mesma engrandece
a bacia fluvial do Acarape do Meio.

Rochedos ancestrais, copiosa caça escondem...
Há peixe, o fruto, e o mel de auríferas abelhas.
Lá em baixo, olhando do alto, às mil se corresponde
casas brancas de luar, com o pôr do sol nas telhas...

(...)
Das longas chaminés saem novelos de fumo...
A moagem principia. A colheita é depois.
O caminhão, rasgando estradas, segue o rumo
onde, outrora, gemeu o carro de bois...

Do milharal maduro, o oiro as espigas veste.
O algodoeiro capulha, o arroz, flébil, cacheia
Verde, o bananeiral alça as folhas e investe contra o vento.
Do rio houve a última cheia.

O canavial levanta as espadas esguias
das folhas à bandeira azul do firmamento,
Vibram da luz solar nas claras ardentias
os penachos de pluma, oscilantes, ao vento!

É um mar revolto que se move e convulsiona
outro mar de pendões que os sítios engrinalda.
Milhões de aves, ruflando as asas, vêm-lhe à tona
como estrelas,a flux,sobre um céu de esmeralda.

(...)
Ainda trago à memória a Redenção antiga,
com seus morteiros no alto e suas noites de festas,
Do ermo carro de bois a saudosa cantiga,
e a casa onde morei, entre lianas e giestas...
(...)
O ambiente lhe perfuma o roseiral silvestre,
a baunilha,o mofumbo,o amplo imbuzeiro em flor
é um garbo se lhe ver a paisagem campestre,
-fonte de inspiraçao do poeta pintor.

(..)
-É o rincão varonil de antepassada glória,
que os grilhoões rebentou da humana gente escrava
cujo feito impoluto assinou na História
a página de luz que o Brasil desejava!

Terra em que despertei do casulo do sonho,
-crisálida do ideal numa ansiedade inquieta,
para as asas abrir sobre o espaço risonho,
na efêmera eascenção de um noco Ícaro,poeta!

A praça principal D. Isabel, a igreja,
testemunha do feito heróico de seu povo,
amplas torres levanta ao espaço e o sol as beija
através de um sorriso, aurifulgente e novo!

Com argênteo brilhante incrustada na borda
da serra, entre florões de madressilvas e acácia,
uma linda aquarela esplêndida recorda
a capelinha de Santa Rita de Cássia

Voltemos, entretanto,ao passado... Há uns cinquenta
e sete anos à gleba a que amo e idolatro...
De tudo o que se segue, em época nevoenta,
Redenção, Acarape a esse tempo, foi teatro.

Sobe o pano... O cenário é a imensa praça antiga
do Mercado onde estão a classe pobre e a média.
Nem Shakespeare lhes suplanta o enredo-atroz que o diga
o exórdio principal da histórica Tragédia.

Juntam-se, em plena praça, os asseclas do crime
-É o dia designado à horripilante feira.
A ânsia atroz do ludibrio e a ganância oprime
toda a corja que exulta e se põe em fileira.

É o conjunto bestial da torpe vilania,
do despotismo, da luxúria e vilipêndio.
Em cada rubro olhar e ignea volúpia ardia
do sinistro clarão de um coruscante incêndio!

Era o instinto feroz do escravocrata odioso,
que a raça negra subjugava, à revelia,
com o direito integral de interceptar-lhe o gozo
da ventura, sequer, de ser feliz um dia!

E o comércio venal do estrangeiro africano,
de espírito revel, relapso, ignóbil, espúrio
que além de negociar o frágil ventre humano,
supera, em perspicácia, o olípimpico Mercúrio!

A cabloca é vendida a quem der maior lance!
Despem-na, como outrora, à helênica Frinéia...
Nem Castro Alves sonhara o trágico romance
cujo enredo equivale à mais rubra epopéia!

(...)

Dentre a senzala, que era berço e que era tecto,
e que, em verdade, não passava de enxovia,
a asa de oiro baixou de um sonho predileto,
-a esperança final da carta de alforria...


(...)
Mas Redenção que se aguardava há muito ansiosa,
mal a aurora rompeu do ano de oitenta e três
quis por seu turno a rebelião mais gloriosa
que o resto do Brasil, proclamara-a de vez!

Foi o primeiro de janeiro daquele ano
que o corpo lhe correu, com elétrica pilha
o bravo destemor mais sagrado e humano,
e mais glorioso que a tomada da Bastilha!

(...)
O momento em que ecoou, de quebrada em quebrada,
de serra em serra, ao longe, o estribilho supremo...
Hora em que a escrava poderia ser amada
e a rosa deste amor desabrochar no extremo!
(...)

Nunca mais dormireis no duro chão duro de argila,
onde passáveis os momentos mais amargos,
sob o tremndo olhar do guarda- cão de fila-
que era Cérbero e tinha vigilância de Argus!

Todas as ruas se embandeiram de mil cores,
é impossível supor a alegria geral...
Atapetam-se em cheio, as calçadas de flores,
dizem velhinhos:-Nunca houve festa igual!

Cruzam de palhas de coqueiros as esquinas,
a quisa de arcos de triunfo. O sino plange...
-É a chamada dos fiés, às horas das matinas.
Crepuscula. Da lua aparece o áureo alfange.

(...)

Foi um dia de festa e regogijo. As praças
regurgitam. E o grande ideal venceu...
O apóstolo de Deus a missa canta, em graças
do instante mais feliz que o Acarape viveu!

E os cabelos, salamâmdricas serpentes,
que estorteceram, venenosas, pelo chão,
semelhavam,depois, as tétricas correntes
cujos elos quebrou sozinha, Redenção!

(...)
Recebe, pois meu verso humílimo, num fausto
de ansia e veneração- nostálgico penhor
que te irá oscular, num profundo holocausto,
na infinita extensão deste infinito amor!

Fortaleza, dezembro de 1943

Otácilio de Azevedo nasceu em Redenção.

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