terça-feira, 14 de junho de 2011

No Acarape não há mais escravos -AVE' LIBERTAS

Acarape quebra os grilhões da escravatura-a grande festa do Dia da Redenção- Presença de Patrocínio, Serpa, Tibúrcio, Liberato Barroso e "Águia do Rio Grande do Norte"- Joaquim Agostinho Fraga o último sobrevivente da " Campanha Abolicionista do Acarapense" fala à Reportagem de Rubens de Azevedo e Tago Otacílio de Alfeu- especial para "O Estado".

Associando-se às comemorações do Dia da Libertação dos Escravos no Ceará, os repórteres lembraram de dar a sua contribuição, entrevistando o último abencerragem da campanha Abolicionista no Ceará, antigo notário em Acarape- Joaquim Agostinho Fraga.
Ele narra à reportagem como foi decretada a falência do Comércio Negro no Estado, movimento encabeçado pela Vila do Acarape, e do qual tomou parte ativamente. Embora passado dos noventa, o seu tom de voz é ainda forte e seguro, e emocionando-se à recordação dessa página gloriosa de nossa História: com os olhos fixos num ponto invisível: - Foi a 25 de Março de 1884 que o povo cearense escreveu o mais brilhante capítulo de sua grande história; a extinção da escravidão negra. Foi esta terra bendita, que se levantou altaneiramente de norte a sul, num protesto de justa repulsa pela exploração da mercadoria humana. E o resultado disso foi o movimento pró-libertaçaõ dos escravos que vou pormenorizadamennte historiar.
Enquanto o fotógrafo ajeitava o entrevistado, formulava os repórteres o seu questionário. Minutos depois se entabolava o bate-papo. A primeira pergunta surgiu então:
- Quando em Fortaleza a idéia da emancipação dos escravos estava em evolução, Acarape dormia na inciência de tal movimento. Quem dele de início tinha noção e previdência de seu desiderato éramos eu e Manuel Fernandes de Araújo, respecitvamente coletor e escrivão de rendas gerais, pois tínhamos em mãos a sinopse do movimento estatístico e da matrícula do elemento servil. Éramos simples executores da Lei do Rio Branco.
- Qual o mensageiro que conduziu a nova de que o movimento em Fortaleza ia às mil maravilhas? Como procederam os baluartes acarapenses?
- Corria o segundo trimestre do exercício financeiro de 81-82. Vindo Manuel Fernandes de Araújo, coletor, a Fortaleza recolher na Tesouraria da Fazenda o saldo das rendas da coletoria do trimestre anterior, entrou em entendimento com os Chefes da Capital, e vendo a marcha vertiginosa do movimento, voltou maravilhado e me disse:- " Sr. Fraga, o movimento abolicionista na Capital está na ordem do dia . É o assunto de maior importância". Mais tarde, houve um entendimennto entre Araújo e o coletor provincial Cel. Antonio da Silva Matos que juntos, deram os primeiros passos para a propaganda em Acarape. Aí formaram-se duas sociedades:" Sociedade Libertadora Acarapense" e Sociedade Artística Libertadora Acarapense" Então daquela data em deante Acarape em peso ergueu-se altiva e bradou:-ABAIXO O ESCRAVAGISMO!...
-Como eram constituídas as duas agremiações?
- A "Sociedade Libertadora Acarapense" era composta dos Srs. Presidente- Cel.Gil Ferreira Gomes de Maria, Vice-dito Cel. Antonio Silva Matos; Tesoureiro: Padre Luis Bezerra da Rocha; 1º Secetário: Tenente Henrique Pinheiro Texeira; 2º dito Francisco Hermano Gomes Carneiro e Orador: Diocleciano Ribeiro de Menezes. A "Sociedade Artística Libertadora Acarapense" foi assim organizada: Presidente: José Raimundo Carvalho; Vice-dito; Procurador Benigno Gonçalves Glória; Tesoureiro: Luiz Martins; 1º Secretário: João Alberto de Melo; 2º dito: Joaquim Agostinho Fraga e Oradores: Diocleciano Ribeiro de Menezes e Aleixo Anastácio Gomes. É bem dizer, exceto persona mea, a flor social do Acarape.
- Em Acarap, quem primeiro libertou escravos e quais os que seguiram?
O exemplo foi dado pelo Cel. Antonio Silva Matos, então coletor da província e vice -presidente da "Sociedade Libertadora Acarapense, que, preparando três escravos que possuía, deu-lhes o alvará de liberdade. O edificante exemplo do Cel. Matos foi seguido por outros conterrâneos de fibra e caráter, figurando entre eles os Srs. Semeão Teles Menezes Jurumenha, que de bom grado alforriou todos os escavos de sua senzala, inclusive, um que há pouco havia comprado por um conto de réis. O segundo abordado no assunto foi José Antonio Oliveira, que exigiu dinheiro para poder libertar seus escravos. Então, os integrantes da Comissão se reuniram e se cotizaram, efetuando o respectivo pagamento, conseguindo libertar os escravos do supra-citado escravocrata. Seguiram-se diversos atos de filantropia praticados pelo Srs. Gil Ferreira de Maria, Cel. Francisco Bemvindo de Vasconcelos, João Duarte Franco, Lúcio José Bonfim e outros. Deram-se ainda várias indenizações como a de José Antonio de Oliveira que nós pobres operários e artistas tivemos que comprar, uma linda e jovem escrava de Francisco José de Souza ( Chico Batista), que sendo pobre e adepto de nossa sagrada causa se satisfez com a quantia de quatrocentos mil réis.
-O movimento continuou sepre até o fim com a mesma vibração do início?
-Aumentou dia a dia. A alegria era tão grande e entusiasticamente que em Acarape, quem não possuía escravos desejava tê-los para poder dizer: "Já libertei os meus..." O Cel. Emiliano Cavalcante conseguiu que o sr. Antonio Tomáz de Silveira fizesse a doação de uma escrava que se achava em seu poder de nome Joaquina e em ato contínuo entregou-lhe a carta de liberdade. A escritura de doação está em poder da família do Cel. Emiliano.
-Como se reuniam os lideres?
-Nós nos reuníamos abertamente. Fazíamos sessões para todo o mundo num ambiente democrático. Antes de terminar o mês de Dezembro de 1882, fizemos uma grande reunião , a qwual contou com a honrosa presença de membros representantes de " Libertadora Cearense" e das classes trabalhistas. Na referida sessão, entre os que fizeram uso da palavra, figurava o Dr. Frederico Augusto Borges. Seguiu-lhe o Padre Luiz Bezerra da Rocha, com palavras vibrantes. Depois o jornalista José Joaquim Teles Marrocos, representante da imprensa metropolitana, e por último o estudante Antônio de Matos Fortes. Duas libertas do Cel. Benvindo de Vasconcelos chamadas Luiza e Tereza tomaram assento na Mesa dirigente das festividades, recebendo solenemente as cartas de liberdade. Encerrada a sessão, fizeram-se "meetings" e ouviram os gritos de : "No Acarape não haverá mais escravos! "Ave Libertas!"
-Sabiam de antemão qual seria o dia da Redenção?
-Estivemos sempre em contato com a "Libertadora Cearense", a qual instrui-nos sobre os preparativos da magna solenidade.
Raiou, afinal, o dia tão anciosamente esperado; a própria natureza se engalanou, realçando o deslumbramento e a beleza das festividades:o horizonte se ornou de nuvens multicores e agrupadas. Os cimos dos montes aureolados pelo sol nascente.
Tudo exuberando alegria. A praça da Matriz semelhava-se um jardim; leques de palmeiras, crotóns, arbustos floridos, bamdeiras de variadas cores tremulando nas fachadas dos prédios. A multidão se adensava na grande praça aguardando a chegada da caravana de Fortaleza, que conduzia os pioneiros da liberdade.
-Como foi recepcionada a caravana libertadora de Fortaleza?
Pelas 8:30 da manhã, ouviu-se o apito estridente de Sinimbú, primeira grande máquina vinda para a nossa via férrea e com ele o espoucar dos foguetões e das girândolas anunciando a chegada do trem. Quando num ângulo da Praça da Matriz apontou a onda de cavaleiros, foi um verdadeiro delírio: as bombas espoucavam ensurdecedoramente. As bandas de música da Policia Estadual e dos 11° Batalhão de Infantaria executavam belíssimas peças a capricho. Logo após foi cantado o Hino da Libertação.
- Fale-me sobre a sessão de recepção comitiva.
- Aberta a sessão foi dada a palavra ao General Tibúrcio, que, depois de declinar da honra, passou-a ao Conselheiro Liberato Barroso. Este, logo em seguida, concedeu a palavra ao grande orador José do Patrocínio. Entre outras coisas disse:
"Para se conhecer a grandeza desta festa, basta vermos a cabeceira da mesa o Parlamento Brasileiro representado pela pessoa do Exmo. Sr Conselheiro Liberato Barroso - o Parlamento é a idéia - à sua direita está a espada vencedora - o Exercito Brasileiro, repesentado na pessoa do insígne General Antonio Tibúrcio Ferreira Souza! À esquerda, a Igreja Católica que convence das verdades eternas representada condignamente pelo Rvmo. Cel. Pe. Silveira Guerra. Portanto, Senhores, temos aqui três cousas distintas: a idéia que ilumina, a espada que vence e o sacerdote que convence!"
Depois de muitos aplausos, subiu à tribuna o incomparável Justinino de Serpa. O taquígrafo impotente para lhe apanhar a torrente de eloquencia das frases. Seguiu-se -lhe o orador Almino Alvares Afonso, cognominado "Águia do Rio Grande do Norte". Guardei na memória uma de suas frases: " Nenhum homem terá direito de propriedade sobre o outro. O ser preto não é efeito. Debaixo da pele negra existeuma alma pura com um livro branco, onde jamais caiu uma lágrima, um borrão ou uma uma idéia!" Depois da sessão, foi oferecido aos visitantes um lauto banquete.
-Desfilaram pelas ruas do Acarape?
Empreendeu-se uma marcha cívica. À frente ia a Comisssão Libertadora; ao lado, o carro ocupado pelo Tenente reformado Francisco Cerqueira Mano, que a grandes brados, atirava flores em profusão para ambos os lados. Parando à porta do nosso companheiro Diocleciano Ribeiro de Menezes, a Comissão entrou comigo até a sala. Déo, como era tratado, recebeu-nos de seu assento- pois estava enfermo- agradeceu-nos comovidíssimo a saudação e ofereceu-nos um óbulo para o fundo de emancipação. Pediu-nos em seguida, para quando se reunisse a Asssembléia , conseguíssemos um projeto: elevar Acarape à categoria de Cidade com a denominação de Redenção. Foi aceito o pedido e cumprida a promessa. Voltando à multudão ao lugar donde partira, estava tudo pronto para o regresso dos visitantes.
(DO "ESTADO" 25 de março de 1945")
Extraído do Livro Fraga- Afetos e Caminhos de uma família que Atravessa Mares, Sertões, desafios e Improvisos- Maria Nazaré de Oliveira Fraga.

Joaquim Agostinho Fraga

Joaquim Agostinho Fraga-Abolicionista, advogado, poeta e músico

Denomina-se FRAGA a última via conhecida de brochura publicada em 1952. É uma homenagem prestada por jornalistas dos periódicos O Estado e Correio do Ceará a Joaquim Agostinho Fraga por sua participação decisiva no movimento que resultou na libertação pioneira dos escravos no Brasil, precisamente em Acarape, hoje Redenção, onde ele se radicou após migrar do Rio Grande do Norte em 1877.

Fraga
1952
TIP ROYAL
Rua senador Pompeu
Fortaleza Ceará