sexta-feira, 29 de abril de 2011

Terra da Luz

Paula Nei, boêmio de talento, convence Patrocínio, seu amigo, a fazer uma viagem pelo Norte, onde, aliás já estivera, por ocasião da seca de 1879. (A voz de Castro Alves repercutia, ainda, entre os clarões de seus versos frementes. Contra o amor, triunfa a morte: mas renuncia diante do gênio...)
Em face do entusiasmo abolicionista do Ceará, tremiam os senhores de escravos. Para vendê-los, tentavam embarcá-los para outras províncias. Dirigidos por Francisco José do Nascimento, os marítimos de Fortaleza resolveram impedir que isso acontecesse. Os embarques eram feitos em jangadas; pois nas jangadas não mais entrariam os cativos! E, em janeiro de 1881, Francisco José do Nascimento (mestre Chico, chamado também Dragão do Mar) ordena que no porto do Ceará não mais se embarcassem escravos! A essa gloriosa província, berço de José de Alencar, chegaram Patrocínio e Paula Nei em 30 de novembro de 1882, sendo recebidos magnificamente.
Dragão do Mar e companheiros não faltaram às homenagens aos dois ilustres brasileiros.
Ao Ceará deu Patrocínio o nome de Terra da Luz, havendo sido agraciado com o título de Cidadão Cearense.
Foram apoteóticas a viagem e a excursão. Patrocínio fatigadíssimo, necessitava de repouso. E seguiu para a Europa.
Apesar de sua ausência, continuavam a campanha e o jornal, porquanto os amigos não fraquejavam.
Em 1º de janeiro de 1883 a cidade cearense de Acarape ( hoje Redenção) liberta a escravatura do município. E a data de 25 de março de 1884 é escolhida para que a província do Ceará extinga o cativeiro em seu território!
A convite dos abolicionistas da Côrte , o Dragão do Mar, em 1884, embarca para o Rio; e traz uma jangada, "Libertadora", para ser entregue no Museu Nacional,(...) O préstilo eletrizou os cariocas, foi aclamadíssimo pelas ruas. Cerca de vinte mil pessoas formavam o cortejo! Enviada, mais tarde ao Arsenal da Marinha da Corte, a jangada Libertadora desapareceu.
Perdeu-se, deste modo,uma relíquia da História do Brasil.
Lá em Paris, em março de 1884, recebe Patrocínio a notícia da libertação dos escravos do Ceará. Exultante, organiza um banquete, a que compareceu a fina flor do jornalismo da capital francesa, políticos, intelectuais! Por doença, não esteve presente Victor Hugo - mas atendendo ao apelo de José do Patrocínio, escreve umas linhas de exaltação à magnânima atitude cearense. Entre os convivas, o apóstolo negro fez distribuir seu opúsculo "L'affranchissement des esclaves de la províncie de Ceará, du Brésil"

Texto transcrito de "Patrocínio, o abolicionista". João Guimarães. Editora Melhoramentos - 1967

Maciço de Baturité Patrimõnio e Herança Cultural


Maciço de Baturité Patrimõnio e Herança Cultural





Maciço de Baturité Patrimõnio e Herança Cultural





quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Negro no Brasil

Para o Brasil o homem da África foi trazido principalmente como mão-de-obra: a mão de obra capaz de substituir o indígena, pois este não estava afeito ao trabalho sedentário e de rotina na lavoura. O negro foi o elemento humano que completou a atividade do português como criador de um sistema de agricultura tropical, que serviu de base no processo de colonização com que foi ocupado o território brasileiro.
Foi particularmente o escravo que influiu na organização econômica e social do Brasil, constituindo a escravidão uma daquelas três forças- as outras duas, a monocultura e o latifúndio- que caracterizam o processo de exploração da nova terra portuguesa; e que fixaram igualamente a paisagem social da de família ou coletiva no Brasil. esta distinção já a fazia Joaquim Nabuco, em 1881, antecipando-se assim aos modernos estudos de interpretação antropológica ou sociológica sobre o negro: "o mau elemento da poopulação não foi a raça negra, mas essa raça reduzida ao cativeiro", escreveu ele em o Abolicionismo.
Essa situação de escravo, portanto, marca o traço fundamental e indispensável de ser assinalado a presença do negro africano no Brasil; a influência não foi do negro em si, mas do escravo e da escravidão, já observou Gilberto Freyre. Como escravo, e por causa da escravidão, o negro africano teve sua cultura perturbada; dela afstado bruscamente, misturou-se com outros grupos culturais. Esta circunstância contribuiu para os valores culturais de que era portador fossem prejudicados em sua completa autenticidade ao se integrar no Brasil. Não puderam os escravos negros manter íntegra sua cultura, nem utilizar preferencialmente suas técnicas em realção ao novo meio. Nao foi possível aos negros revelarem e aplicarem todo o seu conjunto cultural: ou porque, ao contacto com outros grupos negros, receberam ou perderam certos elmentos culturais, ou porque, como escravos, tiveram sua cultura deturpada.Daí os sincretismos e os processos transculturativos.
Talvez este fato tenha concorrido para fazer com que no novo meio nem sempre fosse o negro um conformado; um joão-bobo que aceitasse pacificamente o que lhe era imposto. Foi,ao contrário, e por vezes através de processos bastante expressivos- e o caso dos Palmares é típico-, um rebelado. Fugas, rebeliões, insurreiçoes, formação de quilombos denunciam a reação do negro à situação que lhe era imposta. (...)

A contribuição do negro africano
(...)
Os traços ou complexos culturais introduzidos pelo negro da África, através da escravidão, se manifestaram, em várias atividades. Sistematizando-se o que foi a participação negra no processo transculturativo no Brasil poderemos lembrar, a seguir, alguns de seus aspectos ou elementos mais característicos, aqueles em que mais visível se tornou a influência da cultura negra.
A ioruba, relembra Artur Ramos, foi a mais adiantada das culturas negras puras, introduzidas no Brasil. O nagô se converteu, por algum tempo, pela influência da cultura ioruba, em "língua geral" dos negros; em nagô se realizavam, as cerimônias do culto, os cânticos dos terreiros, os atos litúrgicos. Esta língua entrou em contacto com a portuguesa, passando a esta muitas de suas palavras, o que igualmente sucedou com o quimbundo. Aliás, do ponto de vista linguístico, o grupo banto deixou talvez a mais forte influência, através do quimbundo, as maiores pesquisas e estudos sobre as sobrevivências africanas no português do Brasil têm demonstrado a prepoderância linguística do elemento banto, embora sua cultura, de modo geral, fosse inferior à ioruba.
A celebração do culto nagô se faz em templos próprios, os terreiros, constituindo seus altares os pejis. Os sacerdotes são chamados babalorixás ou babalaôs. Na religião ioruba se tem feito sentir o forte sincretismo com o catolicismo e o esppiritismo, sobretudo o catolicismo, adaptando os santos deste aos seus. Os outros grupos culturais mantiveram também suas práticas religiosas sincretizadas com o catolicismo; talvez somente os maometanos se tenham isolado mais, sob este aspecto, praticando na sua pureza a religião trazida.
Do camdoblé, na Bahia, ou a macumba, no Rio, xangô no Nordeste, deve-se dizer que é um produto já brasileiro, resultado do processo transculturativo, e não a uma prática pura ou exclusivamente de negro africano. Surgiu no Brasil sob influência, é certo, de negros, mas como fenômeno já nosso transculturado.
Instrumentos de música como tambores, atabaques ou campânulas, agagô, ou flauta, afofié, usado nas práticas religiosas, são igualmente de origem ioruba; entre os bantos, da mesma forma, encontramos instrumentos de música tais como tambores de jongo, o ingono usado no Nordeste, o zambê, a cuica, o urucungo, o berimbau.
Da cultura material, podemos lembrar de origem ioruba numerosos pratos da culinária afro-brasileira; aí predominou, em particular na área baiana, a influência enorme da cozinha nagô. O complexo do inhame como o usdo do azeite de dendê são origem ioruba, e mais alguns pratos de procedência africana:o vatapá, o acaçá, o bobó, o acarajé, o abará, o efo, o axoxó etc.
A influência ioruba se faz sentir ainda na indumentária: panos vistosos, saias rendadas, braceletes, colares etc.; neste modo de vestir se misturaram influências ioruba e maometana, de maneira a caracterizar o traço africano na indumentária, de que é padrão o vestir à "baiana".
Também é de origem ioruba objetos de bronze, de ferro ou madeira, fabricados para seus cultos, instrumentos de música, objetos de culto, ou de uso doméstico; ainda certos traços de arquitetura na construção dos pejis, embora africano não tenha tido oportunidade no Brasil, de revelar sua cultura, sob este aspecto, pela ausência de construções de sua exclusiva iniciativa. Todavia, nos mocambos encontra-se grande influência negra, porém mais do elemnto banto.
In Etnias e Culturas no Brasil- Manoel Diégues Júnior- Biblioteca do Exército
O NEGRO DA ÁFRICA

Foi sob o regime escravagista que o negro africano entrou no Brasil, o que desde logo caracterizou sua situação; o que passou a participar da formação brasileira não foi puramente o negro da África, mas o negro escravo. Este é o aspecto que não se pode isolar do estudo das culturas negras: a condição de escravo do elemento negro importado. O que contribuiu, essa condição, para que não nos transmitisse o africano sua cultura inteiramente pura, mas pertubada ou desvirtuada pela escravidão. Do negro africano, portanto, não se pode isolar sua condição de escravo; não se pode abstrair esta circunstância,ao estudá-lo e ao estudar a sua influência na formação do Brasil.
Isto faz com que se possa distinguir perfeitamente duas situações do negro: uma na África, outra no Brasil. Na áfrica ele pôde revelar toda sua capacidade cultural e psíquica, era agricultor, era artífice, era criador de gado, era técnico de mineração. No Brasil a situação modificou-se: ele não pôde revelar integralmente toda essa sua capacidade de ação e de técnica apesar de sua predisposição para o ambiente dos trópicos:e sobretudo para sua integração do novo meio, mesmo com sacrifício de seu padrão cultural.
Como agricultor sabe-se, por exemplo, que o negro se tornou criador, em seu habitat, de uma agricultura eclética, sobretudo de cereais, diversificando sua base alimentar, sem o exclusivismo do arroz na Ásia ou do milho nas Américas indígenas, ou do trigo na Europa. Admite-se mesmo que se deve ao negro africano a cultura dos tubérculos; e acrescenta Lipschutz, confirmando a atividade agrícola do negro africano, não só em seu ambiente como em outras áreas, que onde ele penetrou a agricultura ocupa lugar predominante.
Igualmente em relação a outras atividades, soube dominá-las o negro da África através de várias técnicas; técnicas de mineração, de artesansato, de trabalhos de ferro. Tudo isso bem revela as condições culturais bastante variadas, e não raro com certos níveis elevados, demonstradas pelos negros africanos.

In Etnias e Culturas no Brasil-Mauel Diégues Júnior-Biblioteca do Exército

segunda-feira, 18 de abril de 2011

EXPOSIÇÃO EM REDENÇÃO - “MACIÇO DE BATURITÉ – PATRIMÔNIO E HERANÇA CULTURAL”

Durante o período de 27 de abril a 15 de maio de 2011, o Museu Histórico e Memorial da Liberdade participará do Projeto Maciço de Baturité – Patrimônio e Herança Cultural. O Museu localiza-se em frente a Praça da Matriz e é aberto de segunda a sexta de 8 às 18h e aos sábados de 8 às 13h.

Como em todo o Ceará, nos municípios do Maciço de Baturité existe uma deficiência de informações sobre a exata dimensão do patrimônio, da história e da cultura local, provocada por fatores vários que incluem desde a falta de materiais didáticos e auxiliares até a postura descomprometida com o ensino.

O Projeto MACIÇO DE BATURITÉ - PATRIMÔNIO E HERANÇA CULTURAL foi contemplado no edital de patrimônio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, sendo proponente a Associação dos Municípios do Maciço de Baturité - AMAB. Consiste numa exposição didática, itinerante, percorrendo os quinze municípios integrantes da AMAB, mostrando em 30 painéis, uma visão panorâmica do patrimônio histórico, cultural e natural da região do Maciço.

O objetivo maior do Projeto é instigar nos estudantes, educadores, agentes culturais e população das cidades do Maciço de Baturité, uma visão diferente sobre sua própria região, elevando a sua autoestima, fazendo-os perceberem a real importância de seu patrimônio, sua história e sua herança cultural.

Acompanhará a exposição um DVD enfocando a história, economia, patrimônio material e imaterial, incluindo a arquitetura laica e religiosa, os museus, as manifestações tradicionais da cultura popular, o artesanato, os mestres da cultura e as belezas naturais.

Cada visitante receberá um folder ilustrado, em cores, com informações sobre o patrimônio da Região.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A sujeição pelo sexo

Além de fonte de mão de obra, a senzala constituía-se também em prazer sexual para o homem branco. Para a mulher negra, a ligação com o branco era uma forma de ascensão social, única maneira de obter pequenos privilégios na vida dura de cativa. Para o branco,a escrava era simples prpriedade e, como tal deveria satisfazer a todos os deus caprichos.
Embora condenadas pela Igreja, essas ligações eram comuns, -aliás, muitos sacerdotes, na solidão dos vilarejos não dispensavam os serviços de cama mesa de uma bela africana. Encaradas como coisa normal até mesmo por sua esposa, as escapadas do fazendeiro rumo à senzala não chegavam a ser uma forma de traição. Os filhos bastardos eram aceitos na casa grande, onde, em geral, permaneciam como escravos domésticos -livres, portanto, do trabalho duro da lavoura. Muitos fazendeiros, porém encaravam o relacionamento com as negras como forma de aumentar seu patrimônio e,não raro vendiam os próprios filhos como escravos. Essa prática suscitou a indignação do naturalista Saint Hilaire, ainda na metade do século XIX: "Pode-se afirmar que há homens livres de nossa raça de alma bastante cruel para deixar os próprios filhos à servidão."
Evidentemente, qualquer ligação da mulher branca com o homem negro tinha caráter diverso. Mais que traição ao marido, era um crime contra a estrutura social e só podia ser reparado com a morte dos dois amantes. Mesmo assim houve casos- raros, porém- de realcionamento ente brancas e negros.
Saga-A Grande História do Brasil. vol.4 pag.08 InLiberteiros- Júlio Emílio Braz- FTD

Redenção e o Memorial da Liberdade

O Museu Histórico e Memorial da Liberdade foi criado com o objetivo de preservar objetos e documentos que contam a vida de Redenção, especialmente o que é relativo a fatos e circunstâncias da escravatura e da campanha por sua abolição.

Em poucos municípios a iniciativa de criar um museu primordialmente dedicado à memória daquele período teria tanta razão de ser. Afinal, Redenção faz parte da história brasileira como o primeiro município a libertar seus escravos. Esse fato se deu no dia 1º de janeiro de 1883, antecipando-se em mais de 5 anos à Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, então regente, apenas a 13 de maio de 1888.

O museu tem uma história marcada por determinação, assim como se deu com a própria campanha abolicionista. A idéia de criá-lo surgiu após algumas reuniões das quais participaram professores, alunos e líderes da comunidade. Todos eles compreendiam que Redenção precisava registrar e valorizar melhor sua condição de município pioneiro na conquista da liberdade para os escravos. A criação de um museu atendia a esse objetivo e logo ganhou adesões.

Muitas pessoas de destaque no meio civil e na administração pública ajudaram desde o início. Entre os que mais contribuíram para transformar a idéia do museu num projeto viável estavam o artista plástico e poeta José Augusto Torres, o secretário de Educação Antonio de Almeida Jacó e o prefeito Sebastião Paulino de Freitas.

Uma das providências adotadas na fase preliminar à instalação do museu foi realizar um levantamento do que ainda havia de peças e documentos ligados à escravidão ou aos abolicionistas. Uma comissão para esse fim tratou de visitar sítios e fazendas, cartórios e arquivos, residências e senzalas. Infelizmente, constatou-se que pouca coisa havia resistido ao tempo, como algumas peças de ferro, usadas no trabalho ou para punir. Mesmo assim, estava ali o registro material de um capítulo importante da história do município. Os itens arrolados foram comprados ou recebidos em doação e hoje compõem o acervo exposto aos visitantes.

Outro passo preliminar foi escolher o nome do futuro museu. Pensou-se que o melhor era não deixar isso a cargo de uma só pessoa, mas realizar um concurso entre os alunos da rede escolar, dando a muitos a chance de participar dessa escolha. O nome preferido veio da Escola Padre Saraiva Leão: Museu Memorial da Liberdade.

No dia 28 de dezembro de 1997, em solenidade pública, o museu foi inaugurado. Sua primeira casa foi o antigo Centro Administrativo Municipal, atual sede provisória da Unilab. A Lei que institui a sua criação também lhe acrescentou o qualificativo “Histórico” ao nome.

Em 1998, o museu foi transferido para um prédio que já fora a sede da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Lá ficou até 2006, quando, por necessidade de área de estacionamento e de mais espaço, houve nova mudança, desta vez para o prédio do antigo Círculo Operários de São Jose, na praça da Matriz, onde se encontra até hoje. Essa última mudança deveu-se em parte ao projeto Rede de Museus do Maciço de Baturité, realizado pela Associação dos Municípios do Maciço de Baturité (AMAB). Além de melhores acomodações, o projeto possibilitou ao museu instalar uma ilha digital, assim como realizou o inventário do acervo e o registro digitalizado das peças.

Em exposição permanente constam ferros de punição e de trabalho, documentos, escritura de compra e venda de escravos e também atas e correspondências da Câmara Municipal. Embora tenha na temática escravagista seu principal enfoque, o escasso acervo que chegou aos nossos dias é complementado com peças de mobiliário, moedas, paramentos e objetos religiosos, entre outros itens.

Visitantes e pesquisadores podem ler a ata de uma sessão extraordinária da Câmara Municipal, datada de 19 de maio de 1888, na qual os vereadores da Vila do Acarape (atual Redenção) saúdam a princesa Izabel pela então recente assinatura da Lei Áurea. Outro documento de valor, especialmente para pesquisadores, é a cópia digitalizada de correspondência expedida em 23 de janeiro de 1883, na qual se informa ao presidente da Província do Ceará, Domingos Antonio Rayol, a libertação de todos os escravos da Vila do Acarape, por iniciativa particular.

Apesar de modesto, o Museu Histórico Memorial da Liberdade faz parte dos sistemas nacional e estadual de museus. Com suas limitações, é um ambiente de fruição cultural, que luta para cumprir sua missão de conservar, divulgar e, acima de tudo, possibilitar uma reflexão crítica.

Sentimos que ainda há muito por fazer para registrar os duros anos da escravidão e a contribuição do município por seu fim


Teresinha de Lisiê Freire de Sousa

SERVIÇO

Rua José Costa Ribeiro, 102 – Praça da Matriz

Redenção (CE) CEP 62790-000

Fone: (85) 3332-1436

www.museumemorialdaliberdade.blogspot.com

Funcionamento de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas.

Aos sábados, de 8 às 13 horas.

Cinta

Aparelho de extrair dentes

Instrumentos de Suplicio-Escravos




Livro de compra e venda de escravos


Correspondencia ao Presidente da Provincia 23/01/1883

Primeiro ônibus da Empresa Redenção

Primeira Banda de Música

Partitura

Cadeados de Senzalas



Cavalete Fúnebre

Terra da Luz

Paula Nei, boêmio de talento, convence Patrocínio, seu amigo, a fazer uma viagem pelo Norte, onde, aliás já estivera, por ocasião da seca de 1879. (A voz de Castro Alves repercutia, ainda, entre os clarões de seus versos frementes. Contra o amor, triunfa a morte: mas renuncia diante do gênio...)
Em face do entusiasmo abolicionista do Ceará, tremiam os senhores de escravos. Para vendê-los, tentavam embarcá-los para outras províncias. Dirigidos por Francisco José do Nascimento, os marítimos de Fortaleza resolveram impedir que isso acontecesse. Os embarques eram feitos em jangadas; pois nas jangadas não mais entrariam os cativos! E, em janeiro de 1881, Francisco José do Nascimento (mestre Chico, chamado também Dragão do Mar) ordena que no porto do Ceará não mais se embarcassem escravos! A essa gloriosa província, berço de José de Alencar, chegaram Patrocínio e Paula Nei em 30 de novembro de 1882, sendo recebidos magnificamente.
Dragão do Mar e companheiros não faltaram às homenagens aos dois ilustres brasileiros.
Ao Ceará deu Patrocínio o nome de Terra da Luz, havendo sido agraciado com o título de Cidadão Cearense.
Foram apoteóticas a viagem e a excursão. Patrocínio fatigadíssimo, necessitava de repouso. E seguiu para a Europa.
Apesar de sua ausência, continuavam a campanha e o jornal, porquanto os amigos não fraquejavam.
Em 1º de janeiro de 1883 a cidade cearense de Acarape ( hoje Redenção) liberta a escravatura do município. E a data de 25 de março de 1884 é escolhida para que a província do Ceará extinga o cativeiro em seu território!
A convite dos abolicionistas da Côrte , o Dragão do Mar, em 1884, embarca para o Rio; e traz uma jangada, "Libertadora", para ser entregue no Museu Nacional,(...) O préstilo eletrizou os cariocas, foi aclamadíssimo pelas ruas. Cerca de vinte mil pessoas formavam o cortejo! Enviada, mais tarde ao Arsenal da Marinha da Corte, a jangada Libertadora desapareceu.
Perdeu-se, deste modo,uma relíquia da História do Brasil.
Lá em Paris, em março de 1884, recebe Patrocínio a notícia da libertação dos escravos do Ceará. Exultante, organiza um banquete, a que compareceu a fina flor do jornalismo da capital francesa, políticos, intelectuais! Por doença, não esteve presente Victor Hugo - mas atendendo ao apelo de José do Patrocínio, escreve umas linhas de exaltação à magnânima atitude cearense. Entre os convivas, o apóstolo negro fez distribuir seu opúsculo "L'affranchissement des esclaves de la províncie de Ceará, du Brésil"

Texto transcrito de "Patrocínio, o abolicionista". João Guimarães. Editora Melhoramentos - 1967

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Redenção- Otacílio de Azevedo

Sob o claro esplendor de amplo céu de cobalto
que arde aos beijos do sol que ilumina a amplidão
dentro do círculo de pedras de um planalto,
fulge alegre e feliz, radiosa, Redenção!

Banha-lhe o corpo glauco a linfa azul que desce
de topázio em topázio, ao seu próvido seio
cuja fonte é Pau-d'Alho, a mesma engrandece
a bacia fluvial do Acarape do Meio.

Rochedos ancestrais, copiosa caça escondem...
Há peixe, o fruto, e o mel de auríferas abelhas.
Lá em baixo, olhando do alto, às mil se corresponde
casas brancas de luar, com o pôr do sol nas telhas...

(...)
Das longas chaminés saem novelos de fumo...
A moagem principia. A colheita é depois.
O caminhão, rasgando estradas, segue o rumo
onde, outrora, gemeu o carro de bois...

Do milharal maduro, o oiro as espigas veste.
O algodoeiro capulha, o arroz, flébil, cacheia
Verde, o bananeiral alça as folhas e investe contra o vento.
Do rio houve a última cheia.

O canavial levanta as espadas esguias
das folhas à bandeira azul do firmamento,
Vibram da luz solar nas claras ardentias
os penachos de pluma, oscilantes, ao vento!

É um mar revolto que se move e convulsiona
outro mar de pendões que os sítios engrinalda.
Milhões de aves, ruflando as asas, vêm-lhe à tona
como estrelas,a flux,sobre um céu de esmeralda.

(...)
Ainda trago à memória a Redenção antiga,
com seus morteiros no alto e suas noites de festas,
Do ermo carro de bois a saudosa cantiga,
e a casa onde morei, entre lianas e giestas...
(...)
O ambiente lhe perfuma o roseiral silvestre,
a baunilha,o mofumbo,o amplo imbuzeiro em flor
é um garbo se lhe ver a paisagem campestre,
-fonte de inspiraçao do poeta pintor.

(..)
-É o rincão varonil de antepassada glória,
que os grilhoões rebentou da humana gente escrava
cujo feito impoluto assinou na História
a página de luz que o Brasil desejava!

Terra em que despertei do casulo do sonho,
-crisálida do ideal numa ansiedade inquieta,
para as asas abrir sobre o espaço risonho,
na efêmera eascenção de um noco Ícaro,poeta!

A praça principal D. Isabel, a igreja,
testemunha do feito heróico de seu povo,
amplas torres levanta ao espaço e o sol as beija
através de um sorriso, aurifulgente e novo!

Com argênteo brilhante incrustada na borda
da serra, entre florões de madressilvas e acácia,
uma linda aquarela esplêndida recorda
a capelinha de Santa Rita de Cássia

Voltemos, entretanto,ao passado... Há uns cinquenta
e sete anos à gleba a que amo e idolatro...
De tudo o que se segue, em época nevoenta,
Redenção, Acarape a esse tempo, foi teatro.

Sobe o pano... O cenário é a imensa praça antiga
do Mercado onde estão a classe pobre e a média.
Nem Shakespeare lhes suplanta o enredo-atroz que o diga
o exórdio principal da histórica Tragédia.

Juntam-se, em plena praça, os asseclas do crime
-É o dia designado à horripilante feira.
A ânsia atroz do ludibrio e a ganância oprime
toda a corja que exulta e se põe em fileira.

É o conjunto bestial da torpe vilania,
do despotismo, da luxúria e vilipêndio.
Em cada rubro olhar e ignea volúpia ardia
do sinistro clarão de um coruscante incêndio!

Era o instinto feroz do escravocrata odioso,
que a raça negra subjugava, à revelia,
com o direito integral de interceptar-lhe o gozo
da ventura, sequer, de ser feliz um dia!

E o comércio venal do estrangeiro africano,
de espírito revel, relapso, ignóbil, espúrio
que além de negociar o frágil ventre humano,
supera, em perspicácia, o olípimpico Mercúrio!

A cabloca é vendida a quem der maior lance!
Despem-na, como outrora, à helênica Frinéia...
Nem Castro Alves sonhara o trágico romance
cujo enredo equivale à mais rubra epopéia!

(...)

Dentre a senzala, que era berço e que era tecto,
e que, em verdade, não passava de enxovia,
a asa de oiro baixou de um sonho predileto,
-a esperança final da carta de alforria...


(...)
Mas Redenção que se aguardava há muito ansiosa,
mal a aurora rompeu do ano de oitenta e três
quis por seu turno a rebelião mais gloriosa
que o resto do Brasil, proclamara-a de vez!

Foi o primeiro de janeiro daquele ano
que o corpo lhe correu, com elétrica pilha
o bravo destemor mais sagrado e humano,
e mais glorioso que a tomada da Bastilha!

(...)
O momento em que ecoou, de quebrada em quebrada,
de serra em serra, ao longe, o estribilho supremo...
Hora em que a escrava poderia ser amada
e a rosa deste amor desabrochar no extremo!
(...)

Nunca mais dormireis no duro chão duro de argila,
onde passáveis os momentos mais amargos,
sob o tremndo olhar do guarda- cão de fila-
que era Cérbero e tinha vigilância de Argus!

Todas as ruas se embandeiram de mil cores,
é impossível supor a alegria geral...
Atapetam-se em cheio, as calçadas de flores,
dizem velhinhos:-Nunca houve festa igual!

Cruzam de palhas de coqueiros as esquinas,
a quisa de arcos de triunfo. O sino plange...
-É a chamada dos fiés, às horas das matinas.
Crepuscula. Da lua aparece o áureo alfange.

(...)

Foi um dia de festa e regogijo. As praças
regurgitam. E o grande ideal venceu...
O apóstolo de Deus a missa canta, em graças
do instante mais feliz que o Acarape viveu!

E os cabelos, salamâmdricas serpentes,
que estorteceram, venenosas, pelo chão,
semelhavam,depois, as tétricas correntes
cujos elos quebrou sozinha, Redenção!

(...)
Recebe, pois meu verso humílimo, num fausto
de ansia e veneração- nostálgico penhor
que te irá oscular, num profundo holocausto,
na infinita extensão deste infinito amor!

Fortaleza, dezembro de 1943

Otácilio de Azevedo nasceu em Redenção.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

ABAIXO A ESCRAVIDÃO

ABAIXO A ESCRAVIDÃO ( LIBERTADOR- 15 de janeiro 1881 - nº 2 )

Em meio das grandes idéias que nobilitam nosso século, uma grande vergonha faz ainda corar a nossa pátria querida.
É a vergonha da escravidão!
E ser o Brazil este paíz immenso, como immenso é seu território, livre como sam livres suas matas seculares, cujas frondes topetam as nuvens, altivo como altivas sam as catadupas que sorguem as águas de seus rios-oceanos, rico, como rica é a vegetação de seu solo, majestoso, como magestosa é perspectiva de sua natureza, que há de conter em seu seio o elemento servil, clemente de vergonha, que desconceitua na opinião das nações civilisadas?
Oh não, é tempo que desappareça do meio de nós a infâmia que retarda o nosso progresso e nos distancia do lugar que compete-nos no congresso das nações.
Em quanto a liberdade não congraçar-nos no mesmo amplexo, como irmãos que somos perante Deus e a humanidade, perante a civilização e o progresso, seremos um povo sem autonomia, sem consciência do nosso valor , por quanto amesquinha a nossa grandeza, as instituições liberaes que nos governam, o desequilíbrio de acção, o poderio forte contra o fraco, do senhor contra o escravo, cuja permanência criminosa, a despeito dos brados de indgnação da imprensa livre, atira ainda à face da nação a repetição de scenas de horrores, praticadas a sangue frio e em pleno século XIX.
Oh! não; a escravidão não tem mais rasão de ser; desapparecida de todas as nações que com grandes sacrifícios lavaram-na de seu solo, desapparecerá também de do Brazil, que deve orgulhar-se de não ceder-lhes o passo na expansão dos sentimentos generosos.
Só assim teremos fé no futuro que se lhe desenrola deslumbrante, na attitude soberana , que deve assum ir como ação culta e que dam-lhe o direito as forças vitaes de que dispõe.
Está mais que provado que só o trabalho é que ennobrece, e não aquelle que augmenta a fortuna pública, amontoada a custa das lágrimas e do sangue dos desgraçados.
Se uma parte do império só sabe elevar-se auxiliada pelo braço do escravo, que lhe proporciona as commodidades da riqueza, além da uberdade do solo, das regularidades das estações, da doçura do clima, que tudo lhe é favoravel, nos os desamparados da fortuna, que luctamos com as calamidades inerentes a posição geographica de nosso torrão , para quem a vida é difícil e exige constante trabalho; nós beduínos do deserto, acostumados a arrancar do solo o sustento quotidiano com muito suor da fronte, devemos orgulhar-nos de termos sido os primeiros que enunciamos o trabalho e que primeiro extinguiremo o elemento servil que tanto destoa do nosso adiantamento.
(...)
Viva a liberdade!
Abaixo a escravidão"
Transcrito do LIBERTADOR- Orgão daSociedade Cearense Libertadora- Edição fac-similar 1988
Teresinha de Lisiê Freire